Sargento Getúlio
João Ubaldo Ribeiro
RESENHA

No âmago do sertão brasileiro, com sua paisagem árida e impiedosa, João Ubaldo Ribeiro tecida um conto de brutalidade e lealdade que clama a ser vivido por cada fibra do seu ser. Em "Sargento Getúlio", a dedicação cega encontra a insanidade moral num duelo devastador. Getúlio Santos Bezerra, o sargento de lata, caminha pela intrincada trama que Ribeiro sabiamente orquestra: uma viagem sensorial que faz o chiado da catinga ressoar em seus ouvidos e o aroma da brutalidade sangrar em seu olfato.
A trama coloca-nos no centro de uma trajetória infernal, onde o protagonista deve cumprir a missão de transportar um prisioneiro pelo Nordeste. Todavia, esse deserto físico é apenas uma cortina para desvelar um deserto moral: nas palavras arenosas de Ubaldo, Getúlio deve não apenas lutar contra os elementos, mas enfrentar os impulsos conflitantes do dever e da fraqueza.
João Ubaldo Ribeiro esmiúça a alma humana com maestria. Desde o mossoroense nascido em 1941 e criança nas encantadoras terras de Itaparica, Ribeiro desvela seu maior presente ao mundo: a capacidade de tecer hierarquias personalísticas e banais, compreensíveis apenas à sua poética vivência. Mas não se engane-ao encharcar sua escrita com alusões históricas e lendas sertanejas, o autor constrói uma epopeia singular. Influenciou não só literatos brasileiros, mas desafiou os paradigmas da socio-história do Brasil. Cada linha de "Sargento Getúlio" me faz oscilar entre a raiva fervorosa pela crueldade humana e um respeito assustador pela lealdade obstinada.
Os críticos respondem-lhe com controverso paradoxo: alguns evocam o regionalismo exacerbado, capazes de enaltecer o caráter brasileiro, enquanto outros temem o realismo brutal que nos exila num mundo visceral e abominável. Mas é justamente essa densa ambiguidade a sublime pochade de Ubaldo, transita harmonicamente entre Campos de Carvalho e Euclides da Cunha com grotescos e belezas truculentes. Páginas estas, que compartilham códigos intrísecos com obras grandiloquentes de Kafka e Faulkner.
Leitor sortudo, que irá devorar "Sargento Getúlio" com olhos flamejantes, saibas que TE é oferecida uma chave dourada para os meandros de uma psique aproximada da nossa infernal realidade política. A aura soturna e a narrativa abrupta acoplam TU, seduzentemente, entre as entrelinhas da dialética de Getúlio, transformando TU, veemente, num agradecimento pela ficção que escapa da realidade. João Ubaldo mergulha até o cerne do coronelismo e abate o leitor contra barricadas de emoções complicadas, produzindo um fervor entorpecente.
A transcender críticas e aplausos, "Sargento Getúlio" TE desarma e dissolve TU, invadindo respingos de reflexão no cotidiano ordinário, como que fungos espalhados inadvertidamente numa parede tão mexida pelo tempo. Agora que entraste nesta jornada implacável, a tua noção de moralidade se embaralha como poeira no balaio, prometendo noites insones, pesadelos produtivos e uma persistente ânsia pelas verdades (e mentiras gloriosas) de João Ubaldo Ribeiro. 🌌
📖 Sargento Getúlio
✍ by João Ubaldo Ribeiro
🧾 176 páginas
2010
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